terça-feira, 16 de junho de 2009

Belém perdeu. Nós podemos ganhar - Edgar Cardoso

Belém perdeu a disputa pela Copa de 2014. Mas não foi só Manaus que venceu.
Ganhou a corrupção e a incompetência administrativa. Ganharam os conchavos
e a política do “primeiro eu”. E a do “primeiro os meus”. Venceu o trânsito
caótico e a desorganização quase cultural em todos os setores. Venceu o
“ah... deixa pra amanhã”, a falta de orientação para o trabalho e a
satisfação com pouco. Ganhou a mediocridade e a falta de perspectiva, que
faz todos os anos centenas de jovens universitários e recém formados irem
embora de Belém, disponibilizando seus cérebros para desenvolver outros
estados, outros países. Ganhou a s aúde desumana e a educação ineficiente.
Ganharam os carros com som alto e a música ruim, travestida de manifestação
popular, quando é apenas falta de acesso ou referência. Venceu a grosseria
dos atendentes. A falta de “por favor” e “obrigado”. Venceram os carros
parados no meio da rua, para que seus motoristas possam falar com seus
amigos na calçada, esquecendo o direito dos que aguardam atrás deles.
Belém perdeu. E em primeiro lugar ficou a violência, antiga conhecida dos
bairros pobres e agora já na porta, entrando nas salas em “L” dos
apartamentos ricos. Ganharam as ruas esburacadas, que enchem para delírio
dos ratos. Venceu a falta de creches, o abandono da infância, a
prostituição infantil. Venceu o trabalho escravo doméstico, sob a roupagem
de adoção de meninas do interior. Ganhou a enorme diferença social , menor
apenas que o tamanho das valas a céu aberto das favelas horizontais da
cidade. Ganharam os políticos caricatos e espertalhões, vindos da velha
política oligárquica que só ressoa ainda nos mais afastados rincões do
Brasil e seus ramais.
É, Belém perdeu. Mas tem perdido há muito tempo a vergonha e ganho apenas a
naturalidade cínica da indiferença.Venceu o conformismo, o jeitinho “tudo
bem”. Venceu a burguesia ignorante e suas crenças no direito divino de
mandar e ser servida. Mas também venceram os aproveitadores disfarçados de
povo, que usam a massa para obter os privilégios que nunca tiveram. Belém
perdeu. E, sobretudo, ganhou a crença de que Belém é “do cacete”, que é uma
ótima cidade para morar, com povo acolhedor e amigo, o “Portal da
Amazônia”. Não é. É uma cidade violenta, cara, suja, desorg anizada, com
alto nível de falta de educação, com poucas e mal remuneradas oportunidades
de emprego e onde quem não tem um plano de saúde está perdido. Uma cidade
que vive muito mais de passado que de história, ébria ainda por áureos
tempos da borracha que deram às elites daqui uma patética certeza de
nobreza, quando, na verdade, não passa de uma oligarquia ostentadora e
interiorana.
Belém perdeu. E o que vai acontecer, com toda certeza, é ficarmos mais uma
vez cheios do orgulho que tiramos não sei de onde e dizer aos 4 ventos que
foi por causa de uma politicagem de “não sei quem”. A típica atitude de
perdedor. A forma fácil que temos de enfrentar os problemas. Belém perdeu.
Porém, podemos ganhar muito com essa experiência, olhando, pela primeira
vez, além do pato no tucupi, do açaí e do tacacá. Temos que perceber agora,
não depois, a rota descendente em que se encontra a capital e o estado como
um todo. A cidade do abandono, o estado da violência rural e do
desmatamento. Temos que votar melhor, pensar mais no coletivo e não no
individual. Ler mais, educar mais, trabalhar mais, reclamar mais.
Chega dessa postura de rechaçar críticas por pura vaidade em nome de uma
história longínqua. E cada vez mais distante, pois a história é escrita
pelos vencedores.
Vamos mudar Belém e o Pará começando por nossas atitudes, entendendo o
direito do outro como tão importante quanto o nosso, valorizando a educação
e o saber como principal patrimônio e legado. Chega de ser uma ilha, quando
cada cidade hoje é global. A raiz de tudo isso, de todos os problemas,
somos nós. Nós é que precisamos mudar como povo. Em 2014 não vamos sediar a
Copa. Mas, com certeza, co mo principal cidade de uma das regiões mais
importantes do Planeta, poderemos começar a ganhar o mundo.