segunda-feira, 25 de maio de 2009

a terceira margem do rio - Guimarães Rosa

"(...) Sem fazer véspera. Sou doido? Não. Na nossa casa, a palavra doido não se falava, nunca mais se falou, os anos todos, não se condenava ninguém de doido. Ninguém é doido. Ou, então, todos. Só fiz, que fui lá. Com um lenço, para o aceno ser mais. Eu estava muito no meu sentido. Esperei. Ao por fim, ele apareceu, aí e lá, o vulto. Estava ali, sentado à popa. Estava ali, de grito. Chamei, umas quantas vezes. E falei, o que me urgia, jurado e declarado, tive que reforçar a voz: — "Pai, o senhor está velho, já fez o seu tanto... Agora, o senhor vem, não carece mais... O senhor vem, e eu, agora mesmo, quando que seja, a ambas vontades, eu tomo o seu lugar, do senhor, na canoa!..." E, assim dizendo, meu coração bateu no compasso do mais certo.

Ele me escutou. Ficou em pé. Manejou remo n'água, proava para cá, concordado. E eu tremi, profundo, de repente: porque, antes, ele tinha levantado o braço e feito um saudar de gesto — o primeiro, depois de tamanhos anos decorridos! E eu não podia... Por pavor, arrepiados os cabelos, corri, fugi, me tirei de lá, num procedimento desatinado. Porquanto que ele me pareceu vir: da parte de além. E estou pedindo, pedindo, pedindo um perdão.

Sofri o grave frio dos medos, adoeci. Sei que ninguém soube mais dele. Sou homem, depois desse falimento? Sou o que não foi, o que vai ficar calado. Sei que agora é tarde, e temo abreviar com a vida, nos rasos do mundo. Mas, então, ao menos, que, no artigo da morte, peguem em mim, e me depositem também numa canoinha de nada, nessa água que não pára, de longas beiras: e, eu, rio abaixo, rio a fora, rio a dentro — o rio."

(João Guimarães Rosa - A Terceira Margem do Rio)

É impressionante que essas escolhas que a vida nos coloca são complicadas... Complicadas ao ponto de tremermos na base, como dizem na linguagem coloquial. Assim como, é impressionante o quanto algumas decisões que tomamos não são entendidas pelas pessoas. As críticas logo nos acertam, como as pedradas que Maria Madalena pegou da população impiedosa... A sorte dela é que Cristo estava em terra para perdoá-la. E agora? Cristo não está em corpo entre nós, mas em espírito, só que ainda sim, somos apedrejados.

Somos agonizantes dessa sociedade hipócrita. Decisões não-respeitadas são sinais de como o senso comum toma de conta da cabeça de muitas pessoas, sendo que estas têm preguiça de pensar com pelo menos 1% de sua massa encefálica (sabendo que são capazes de usar 10% de sua cabeça animal, como diz Raul)... É, e ainda somos criticados por certas atitudes que temos. Mas nosso consolo é que temos a capacidade de conseguir enxergar uma terceira margem do rio, assim como o homem do texto de Guimarães Rosa teve... Só temos que ter cuidado de uma coisa: não podemos temer nossas decisões, afinal, só saberemos que o final vai ser feliz depois que tudo acontecer.

Enfim... Decidam-se sem medo.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

loucura...

Depois de bastante tempo sem freqüentar minha casa de campo virtual (leia-se: lugar de paz), volto aqui para tentar colocar os pensamentos em ordem, depois de umas ventanias.

Estes dias estavam sendo pesadíssimos: provas, trabalhos, pessoalidades... Enfim, tudo para que eu desenvolvesse um surto de loucura! Coincidentemente, o CCS (Centro de Cultura em Saúde) do Ministério da Saúde, trouxe para Belém uma exposição sobre a história da Psiquiatria no Brasil, entitulado "Memória da Loucura". E eu fui participar do treinamento para ser monitor dessa exposição no Museu do Estado do Pará.

Pensei que fosse apenas para sermos guia de museu ou algo do tipo. Como leigo no assunto, pensei logo nisso. Depois, conforme a palestrante ia falando como começou a psiquiatria com os chamados "pais" dessa ciência: Phillipe Pinel, Esquerol, Freud, Teixeira Brandão, Juliano Moreira, dentre outros; eu iria ficando mais interessado. Afinal, é tão comum as pessoas chegarem com as outras e chamarem ou taxarem de loucas, doidas e afins, que quando temos o mínimo de conhecimento, discernimento e senso crítico, vemos se, realmente, as pessoas que traçamos como loucas são realmente loucas mesmo.

Temos sempre esse costume de chamar alguém de doido quando a pessoa não segue o padrão imposto pela sociedade. Se escutar uma música que não seja ouvida pela maioria; se adotar um estilo de roupa diferente do usado, se ter comportamentos diferentes dos aceitos pela sociedade; manda internar que é louco. Só que não temos a consciência de pensar que pessoas pensam diferente, sendo assim, podem ser diferentes também. E se pararmos para prestar atenção, elas são as mais interessantes. Seus assuntos são mais interessantes, são mais inteligentes, possuem personalidades e conceitos próprios. Mas são loucas.

Quem já leu "O Alienista", de Machado de Assis, consegue enxergar bem isso que eu estou explanando. Simão Bacamarte tinha uma concepção de mundo que em Itaguaí ele não conseguia ver. Os comportamentos daquelas pessoas eram diferentes dos que ele considerava como os que devereiam ser adotados, logo, ele prendia as pessoas na Casa Verde. No desfecho, ele viu que todos estavam preso e apenas ele estava fora. Então, ele mesmo concluiu que ele era louco e se internou, libertando todos. Seguindo por esta linha de raciocínio, vemos que a pessoa que tenta seguir um padrão, mesmo obrigada, para não ser chamada de louca, acaba sendo uma. Isso seria uma forma de traição à sua própria personalidade, é a mesma coisa que pedir para não ser livre.

Enfim, o que eu tento mesmo é ser o louco da sociedade. Afinal, ser louco é ser diferente, é ter idéias e conceitos próprios. Se verem algum "louco", não o interne. Faça melhor: EXTERNE-SE!